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24.10.08

Homens que amam valem mais

Tentei resistir mais não consegui: vou falar sobre o caso Eloá. Feministas do país inteiro estão se manifestando, li muitas coisas. O texto que mais me marcou foi um que recebi por e-mail (a Giane que me mandou, valeu Gi!) escrito por Kaliani Rocha, feminista, psicóloga, mestra em Serviço Social e doutoranda em Sociologia pela UFPE. Ela escreveu algo que eu estava sentindo e não conseguia estruturar.
Toda vez que uma discussão sobre o caso começava eu ficava quieta. Eu sei de tantas coisas que envolvem a questão da violência entre homens e mulheres, tantas coisas sobre dominação e relações desiguais, tantas coisas que vão além de comentários comuns como nas velhas frases "Você viu se já soltaram a menina? Pegaram o cara?". Mas não tinha o que falar. No fundo ninguém entende ou quer ouvir. Resolvi até nem ler as notícias diárias sobre o caso.
Mas o desfecho foi decisivo. Não dá pra fingir que não estou vendo o que realmente aconteceu: a vida de um homem violento, que estava agredindo e ameaçando, foi poupada, mesmo que em detrimento do risco que as suas vítimas corriam.
Poderia ser um caso isolado, mas não é. Muitas mulheres morrem nas mãos de seus companheiros ou ex-companheiros, simplesmente porque eles acreditam que têm direito total sobre suas vidas.
Poderia estar isento da relação desigual entre homens e mulheres que persiste em nossa sociedade, mas não está. Ele se descontrolou porquê ela não se submeteu a sua vontade, assim ela perde o valor e deve morrer.
Poderia ainda achar motivos só entre as relações dos envolvidos, mas há mais que isto. Há a postura da polícia que privilegiou o tempo todo a vida do criminoso, mantendo o risco das vítimas até o fim.
Uma postura que via o criminoso como alguém calmo, jovem, que se descontrolou por estar passando um momento amoroso ruim. Enquanto a vítima era vista como "a menina mais bonita da escola". Visões de quem são os envolvidos determinam condutas. Que valor a menina bonita tem sobre um bom rapaz, jovem e calmo? Qual a vida que deve ser preservada?
Kalini escreveu muito bem sobre isso, quem quiser eu mando o texto completo, fica aqui um trechinho:
"O que mais me chocou, como ser humano, foi acompanhar Eloá viva na janela, por várias vezes e depois vê-la, rodeada de policiais, com um tiro na cabeça. O que mais me chocou como mulher, foi sentir o respeito pelo "rapaz apaixonado" e o descaso pela vida das duas adolescentes que estavam com o direito de viver ou morrer nas mãos de Lindembergue.Na mídia e no ato passivo da polícia, ficou evidente que não se tratava de um bandido nem de um criminoso, mas de um rapaz com o futuro inteiro pela frente, que estava num momento de loucura. E onde fica o presente daquelas meninas? Onde fica o futuro delas? Por que os outros reféns, rapazes, foram logo liberados?Em nenhum momento percebi o direito à vida ser discutido. O que se falava era que elas eram lindas e inseparáveis, e Eloá a menina mais bonita da escola. Ela é uma menina bela, ponto. Como é que um homem maior de idade, que mantêm duas adolescentes de 15 anos na mira de uma arma de fogo em cativeiro por cinco dias, não é um criminoso? Por que tanto respeito a ponto de invadir o apartamento com balas de borracha apenas? As "balas de verdade" do "pobre rapaz" tiraram a vida de Eloá, e deixaram marcas para sempre no rosto de Nayara. Amor? Até quando as mulheres vão morrer por essa coisa estúpida e perigosa que chamam de amor? Até quando os homens vão se sentir tão proprietários da vida das mulheres a ponto de decidir se ela continua ou acaba?"
Coloquei ainda este trecho porque ela foi a única que lembrou um detalhe que todos pareceram encarar como normal: ele tinha 22 e ela 15 anos. Como assim é normal uma cara de 22 querer uma garota de 15 anos? Além de crime, é claro que a experiência e expectativa de vida são completamente diferentes. Alguma garota de 22 teria se envolvido com Lindembergue? Quando temos 15 anos não sacamos logo de cara se o menino que paqueramos é um atraso de vida ou alguém perigoso. Mesmo que você comece a namorar com 11 anos, a coisa ainda é começo, é experimentação. Mas um cara de 22 já viveu e catou mina o suficiente pra saber exatamente como é. Pra saber até fingir que é um cara legal e esconder o que realmente é. E ninguém viu isso? Ninguém viu que a história toda já demonstrava que ele era perigoso? Namorar alguém tão mais novo, invadir armado, tornar refém... é lógico que ele ia atirar... é lógico que a vida delas valia mais do que a dele.

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