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29.8.11

corpo

Voce já passou a mão no seu corpo
sentiu cada centímetro de quem você é?

pele, braços, músculos, pelos

voce já sentiu seus dedos correndo sua pele
sentiu que eles sabem mais de você do que sua mente?

língua, lábios, saliva, dentes

pense em tudo que o seu corpo nao te mostrou ainda
pense em cada detalhe escondido que você pode ter perdido

pés, dedos, ossos, tendões

faça isso agora comigo menino
mostre-me o quanto você pode

mãos, cabelo, olhos, ouvidos

24.8.11

Uma história para uma arma

Sua cabeça rodava naquela noite, as paredes amarelas brilhavam, seus olhos ardiam, o ar faltava. Assistiu um filme uma vez que descrevia isso como crise de ansiedade. Crise nada. Era só desespero.
Tudo começou quando comprou aquela arma. Disseram que seria melhor assim, ela já não tinha muita certeza do que fazer, então comprou a arma.
Depois de um mês olhando pra arma, limpando, guardando, percebeu que não fazia sentido comprar algo que não ia usar. Ela comprava sapatos que usava, roupas que usava. Nunca foi dessas que gasta por gastar. Isso não podia continuar assim, só tinha uma coisa a fazer: usar a arma.
No dia seguinte de manhã, colocou a arma na bolsa e saiu para trabalhar. Em todo o seu dia olhou para as pessoas e para as coisas pensando quando lhe dariam a oportunidade de usar a arma. Porque uma arma para ser usada, pensava ela, não podia ser simplesmente sacada e disparada. Era preciso uma história. Perseguiu qualquer pista que pudesse se tornar uma história. As fofocas das recepcionistas sobre o caso entre a diretora e o segurança. A briga entre duas assistentes no café. Mas eram histórias dos outros, não conseguia entrar nelas para usar a arma. Se dependesse de suas histórias nunca conseguiria, ela já não tinha histórias.
Resolveu ajudar o acaso. Ficou até mais tarde no trabalho e só saiu quando estava escuro e perigoso. Com a mão dentro da bolsa, torceu ser abordada por um ladrão ou um maluco qualquer. Nada. Desceu do ônibus alguns pontos antes para ver se alguém a seguia. Nada. Foi dormir preocupada. Ela precisava usar a arma, precisava de uma história.
A semana toda ela deu asas a esta ideia e nada aconteceu. Na sexta pensou em se matar. Mas porra, ela não queria morrer, ela só queria usar a arma! Vender não era uma opção. Ela não vendia suas roupas ou sapatos. Suas coisas ela usava e depois jogava fora ou dava para alguém. Não podia jogar fora ou dar algo que ainda nem tinha usado. Nunca achou que fosse tão difícil conseguir usar uma arma.
Agora, andando pelo quarto em desespero, com as costas curvadas, apertando os próprios braços, descalça, descabelada, ela olha para a arma na cama. Já se passaram 3 semanas nessa luta. Ninguém vive tanto tempo sem um acontecimento. Nem uma barata invadiu seu banheiro para que ela pudesse atirar. A arma estava ali, parada, limpa, brilhando, nova. O que mais a incomodava era o porquê. Porque ela não tinha nenhuma história para encerrar com um tiro? Porque nada acontecia que lhe desse um motivo, uma desculpa?
Chegou a conclusão que isso era infelicidade. Porque chorar por acontecimentos tristes era ruim, mas eles passam e ficam as histórias. Ela não tinha histórias, nada lhe acontecia, nada bom, nada ruim. Ela só tinha uma arma que não podia usar.
Ouviu a porta abrir. Juliano estava viajando este tempo todo. Chegou, colocou a mala na sala e chamou seu nome. Ela olhou para a arma. Juliano detesta armas, falou para ela não comprar esta coisa. Respondeu com voz trêmula "estou no quarto". Ouviu seus passos e sua voz de moleque "é aí que te quero mesmo". Pegou a arma. Juliano ficou parado na porta, olhando assustado. "Diga que você me traiu!" "Está maluca? Eu não te traí!" Ela atirou. Sentiu o alívio no corpo, sorriu.

14.8.11

Meu Pai


Eu nunca falo muito sobre o meu pai. Ele morreu quando eu tinha 13 anos, a maior parte da minha vida, estou sem ele. Terminei de crescer sem ele, virei adulta sem ele. E me acostumei tanto com esta situação, que estranho encontrar amigos com a minha idade e terem pai. Encontrei muitas pessoas na vida na mesma situação que eu, outros tantos que nunca conheceram os pais, mais ainda os que perderam contato pela separação. Na família não é diferente. Venho de uma família de mulheres. Minha mãe, suas irmãs e minha sempre foram o lado forte. Guerreiras, enfretaram doenças, mortes, traições, separações. Criaram seus filhos e fizeram suas vidas sozinhas. Então, pai para mim é lembrança.
Por sorte as lembranças do meu são as melhores que uma filha poderia ter. Meu pai era protetor, era racional, era contestador, era político, era forte, era atleta, era meu exemplo. Eu me lembro dos dias que sentia medo, corria pro colo dele e ele ria me protegendo. Eu me lembro do jeito prático e organizado dele olhar as coisas da casa, do dia a dia, se envolvia nas compras, fazia a feira, a vitamina de frutas toda manhã. Eu me lembro dele falando mal dos políticos, assistindo e comentando o jornal, arrumando soluções para tudo. Eu me lembro dele contando todos os esportes que já fez na vida: ginástica olímpica, futebol, boxe, canoagem. Foi ele quem me ensinou a fazer parada de mão quando isso virou febre, foi ele que me consolou quando as meninas da ginástica olímpica desceram a lenha em mim numa apresentação, foi ele que me mostrou o quanto eu tinha ido bem e por isso fui detonada.
Eu me lembro dele falando. Ele vinha para casa no horário do almoço, almoçávamos juntos, só nós dois e ficávamos conversando até dar o meu horário de escola. Nesses momentos meu pai contava da sua vida. Contava dos amigos, das namoradas, das viagens, de tudo que aprontou. Foi ele que me disse para não acreditar nos meninos, que a maioria só ia querer curtir e que eu devia fazer isso também. Foi ele que disse que deveria aproveitar e só trazer namorado em casa quando fosse para casar. Foi ele que disse para não casar nova e terminar a faculdade antes. Ele me contou de quando foi acampar na serra, no caminho pra Santos. Contou de quando ele e os amigos entravam clandestinamente no Clube Tietê pela margem do rio. De quando quebrou o nariz porque foi sacaneado pelo cara que deveria o segurar numa parada de mão no ar e simplesmente o soltou, deixando-o cair de cara na areia. Contou quando teve chances de se mudar para o EUA e não foi porque sua mãe pediu. Contou de quando fumou maconha aos 16 anos e detestou. Contou das meninas na igreja, nos bailes de carnaval. Do cara que ameaçou ele no trânsito com uma faca e fugiu quando ele foi pra cima mesmo assim. Horas de histórias que eu ouvia sorrindo e admirando: "Esse é o meu pai".
Foram só 13 anos juntos, mas com tantas histórias e falas, que até hoje é ele que eu procuro quando preciso de proteção. Nos momentos mais tristes da minha vida, eu abraço o travesseiro e só consigo pensar "pai me ajuda denovo". E sempre vem uma frase que um dia ele disse, um abraço, uma lembrança que me acalma e me faz dormir. Meu pai é meu lado espiritual, como para algumas culturas, que acreditam que os antepassados são nossos protetores e guias. Sua força e suas histórias me acompanham e me confortam. Talvez por isso tenha sido tão fácil lidar com sua morte. Faz 21 anos que não está aqui, mas sempre está em mim.

5.8.11



Hoje saiu o resultado do concurso literário em que me inscrevi, lembram? Contei para vocês aqui. Não ganhei. Era preciso estar entre os 20 primeiros para ter a crônica publicada. Fiquei nervosa o dia inteiro esperando o resultado. No trabalho, abria a página a cada meia hora e nada de liberarem. Agora há pouco, enfim, liberaram. Balde de água fria, fiquei triste por dois minutos.
No entanto, está tudo bem. Seria maravilhoso ganhar e vir aqui dividir esta vitória com vocês, que sempre me estimulam tanto. Mas eu percebi que não preciso do concurso para continuar escrevendo e nem para acreditar em mim. Eu já descobri que sei escrever e que tem quem goste de ler o que escrevo. Então, está tudo bem.
Mais que isso me lembrei de quantas vezes a vida nos diz não e isso não significa nada. Ganhar na primeira tentativa é raro, muita vezes mais obra da sorte do que do talento. O amigo Thiago Fonseca escreve invejavelmente bem no Ardeverbo, já participou de um concurso e não ganhou também. Fui a um evento cultural onde ele fez uma vídeo-instalação de dois textos e o lugar estava quase vazio. Mas ele continua lá, fazendo suas crônicas e ilustrações e eu continuo lendo-o.
O mesmo posso dizer da amiga Priscila Valdes, do finado Betsy e seus balões coloridos. Todos que a lêem amam, ela não pára de escrever, mas ainda não ganhou nada também. Imagine quantos exemplos existem por aí. Ainda bem que existem os blogs e a internet. Talvez, se não existissem, estaria tudo guardado em uma pasta, ou então, venderia meus textos e poesias no semáforo.

3.8.11

Ah! a euforia!



A vida é mesmo surpreendente. Eu amo escrever, já falei dessa minha paixão em uns cinco posts aqui. Tanto que vivo inventando novos jeitos de aproveitar esse prazer. Casualmente surgiu um novo blog na minha vida. Joguei uma idéia e duas amigas compraram. De conversas e idéias aqui e ali a coisa quase esfriou, mas começaram a nos procurar pra saber quando seria o lançamento. Resolvemos enfrentar isso de vez. Após três noites escrevendo, editando e rindo, ontem foi oficialmente lançado o "Minha saia é mais justa".
A única palavra que surgia na minha cabeça e na qual consigo pensar agora é euforia. Amigos reais e virtuais, conhecidos e olheiros começaram a comentar os links que jogamos no facebook e no twitter. Meu skype parecia uma árvore de Natal piscando e pulando janelinhas de gente comentando. Em uma noite o blog teve 240 acessos e 6 comentários. Seis comentários num post simples de apresentação.
A euforia nos dominou, não esperávamos tanto. Ríamos e tínhamos mais idéias. Começaram a surgir tantas idéias que logo tivemos que organizar mais a coisa, com arquivos e grupo de discussão. Eu fui dormir rindo e sem sono. Eu acordei pensando no blog e no que faríamos hoje. Eu agradeci existir e-mail para poder falar com as meninas nos poucos minutos de escapadinha no trampo. Eu cheguei em casa e já queria me enfiar na net e fazer tudo que pensei desde ontem.
No entanto, liguei a TV. Tenho mania de chegar do trampo e ligar a TV para descançar a cabeça. Preciso ficar uma meia horinha olhando para algo que me impeça de pensar. Vejo qualquer coisa fútil ou desinteressante, até programa infantil da Cultura - que não é fútil, mas já passei da idade. Para meu azar e minha sorte, estava começando o filme Julie and Julia, de Nora Ephron. Desde que foi lançado quero assistir, então me joguei no sofá.
No meio do filme esse post começou a borbulhar na minha cabeça. Porque as desobertas de Julie quando decide assumir o desafio de cozinhar as receitas de Julia e escrever sobre isso em seu blog, são as descobertas de quem já se procurou naquilo que gosta. Eu fiz isso exatamente com o prazer de cozinhar há uns anos atrás. Muita coisa voltou a me preencher a partir daí. Mas especialmente este ano, escrever tem sido meu talento e minha esperança. Recebi tantos elogios pelo que escrevo aqui e no eMe design nos últimos meses, que comecei a acreditar em mim. Foi acreditando em mim que acreditei na idéia do "Minha saia é mais justa". Só nunca imaginei, aliás as meninas também não, que a repercussão seria tão grande logo de cara.
Um dia escrevi aqui que sou feita de paixões e que é preciso que uma nova paixão me contamine para que eu esqueça a antiga. Eu já estava apaixonada por escrever e, depois de ontem, eu estou cega e loucamente apaixonada! Visitem o blog, se gostam daqui, gostarão de lá.