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30.3.13

Sobre o casamento e o fracasso


Acabo de ler na reportagem especial sobre casamento da revista TPM que mulheres acima dos 30 anos que não casaram são consideradas fracassadas. Gargalhei. Não porque acho que a revista esteja errada, acho super possível que esta seja a visão da sociedade. Mas porque eu tenho 35 anos, sou solteira e NUNCA me vi assim. Ler que é assim que muita gente me vê foi engraçado, foi como se me dissessem que as pessoas me vêm como um ornitorrinco, literalmente. Muito engraçado!
Já me senti fracassada diversas vezes na minha vida, antes mesmo dos 30. Quando não suportava mais a educação, foi horrível. Eu pensava "invisto nisso desde os 14 anos de idade quando entrei no magistério, são 14 anos investindo e não cheguei a lugar nenhum, mal pago minhas contas". E isso me levou ao stress e depressão, diagnosticados em consultório, não é figurativo. 
Aliás vida profissional faz eu me sentir fracassada. Porque é algo que eu estou fazendo, estou ali escolhendo, estudando, me dedicando e tenho um objetivo com isso. Então, quando dá errado, me sinto fracassada. Hoje já sei lidar com o fracasso e não fico mais doente. 
Não realizar um sonho me faz sentir fracassada. Porque no fundo, só os sonhos importam. Já falei sobre os meus aqui. Mas casar, nunca foi um sonho pra mim. "Ai Micaela, você é contra o casamento?" Quase isso. Sou contra a vários modelos de casamento que vejo por aí. Não me encaixo neles, não seria feliz neles. Aí sim, me sentiria fracassada. 
Gosto ideia de construir algo juntos, gosto da ideia de cuidado, gosto da ideia sentimento. Mas não lido bem como os papéis pré estabelecidos. Sei que muita coisa mudou, mas ainda vejo um papel muito específico a ser desempenhado pela mulher que não me agrada. Ainda vejo que o cara tem sua vida e tem um relacionamento, enquanto a mulher faz do seu relacionamento a sua vida. "Ah, mas é só você não cair nessa". Sim, e achar alguém que tope né?! Porque no fundo, os caras ainda esperam esta exclusividade e não lidam bem quando a coisa não é assim. 
Este é o ponto que tornou casar ou não casar irrelevante pra mim. Meus sonhos, minhas realizações, têm mais importância pra mim que qualquer relacionamento. Se no percurso surge um relacionamento, ok, vivo isso. Mas se ele passa, passa. O mais importante é o que fica, e sou eu e meus sonhos que ficamos.
Imagino a quantidade de garotas que torna o casamento sua realização maior. Não casar as fariam se sentir fracassadas e é assim que devem enxergar a mulherada como eu, solteira pós 30. Imagino a incredulidade ao ouvir que não, não me sinto fracassada por isso e estou bem assim. Nem preciso imaginar muito porque já dei de cara com isso várias vezes na vida. 
O casamento pode estar mudando em termos práticos, mas a visão sobre ele é mesma da época da minha vó. Por isso é impossível aceitar que uma mulher solteira possa se sentir completa e feliz. Para alguns é difícil aceitar que ela possa se sentir mulher. Desculpe decepcioná-los. Sou mulher, solteira, com mais de 30, feliz e muito preocupada em como vou realizar meu sonho de continuar dançando, escrever meus livros e conhecer o mundo inteiro. Se alguém quiser casar comigo, me segue aí. Porque como os homens, eu tenho a minha vida primeiro, o relacionamento é só uma coisa a mais. 

28.3.13

Carta aberta aos homens


Há algum tempo estou preparando este texto. O assunto é tão difícil e delicado que nunca acho que está suficientemente claro e bem argumentado. Muito provavelmente por dois motivos: falar de abusos sexuais que sofremos mexe com sentimentos muito profundos há tempos colocados em um lugar seguro e, por saber das possíveis reações que surgirão, já que sempre surgem. 
No entanto, expor a minha história em relação a isso é uma forma de dizer pra vocês que estão lendo (90% de amigos pessoais e familiares, que me conhecem, uns 10% que até confiam em mim) que infelizmente o abuso está mais perto do que vocês imaginam. Não é história de filme ou televisão, não é coisa que acontece só com a prima-do-amigo-do-namorado-da-vizinha-do-seu-pai. Está do seu lado, o tempo todo. 
Dito isso, apesar de saber que muitas mulheres precisam de orientação e desabafo sobre o tema, esclareço que meu texto tem endereço certo nos homens das nossas vidas. Por um simples motivo: eles não fazem a menor ideia que isso acontece sempre com a gente, em qualquer lugar, a qualquer hora. Meninos, está na hora de vocês terem ao menos uma noção do que passamos diariamente para, quem sabe, nos apoiarem na luta de acabar com isso. 
A primeira vez que fui seguida por um homem na rua eu tinha menos de 10 anos. Estava indo à padaria para minha mãe. A padaria ficava a alguns quarteirões de casa, coisa de 5 minutinhos andando e por ruas movimentadas. Eu passei por um carro e me olhei no espelho, vi que meu shorts estava torto e parei para arrumar. Foi então que notei um cara numa bicicleta na praça, do outro lado da rua, me olhando. Algo despertou meu alerta, achei estranho uma bicicleta parada ali, com o cara em cima como quem vai andar, me olhando. Então fiz que ia andar pra frente e fiquei olhando, ele também fez menção de sair. Parei novamente e olhei pra ele, ele também parou. Corri. Corri para a casa de conhecido mais próxima, era a tia Vilma, que vendia doces na garagem. Corri toquei a campainha e fiquei esperando tremendo. Ele sumiu, ainda bem. 
Já na fase de sair e ir pra matinê das danceterias (sim, era esse o nome na década de 80), um cara ficou tentando me encoxar no ônibus, eu me esquivava e um amigo percebeu e me colocou sentada, ficando todos os garotos da turma em volta, pro cara não ter acesso. Ele nem disfarçava, começou a pedir pros meninos me apresentar e ficava falando coisas horríveis. Desceu atrás da gente no ponto e os meninos novamente me ajudaram, me acompanhando e vigiando pra ver se ele estava atrás até conseguirmos despistá-lo. 
Com uns 15 anos eu estava no ponto de ônibus esperando quando um cara passou super devagar e me olhando. Em poucos minutos ele passou novamente do outro lado da avenida e parou o carro. Lembro da cara nojenta dele me olhando enquanto esperava para atravessar a rua e eu esperando um ônibus que estava vindo parar no ponto para cobrir a sua visão e ele não ver pra que direção eu correria. Deu certo, em segundos eu subi uma ladeira enorme e cheguei na casa de uma amiga. 
Nesta mesma época, um dia estava indo fazer trabalho na casa de uma amiga e um cara passou devagar com o carro. Ao chegar na esquina ele parou, como quem olha pra cruzar a rua, mas a rua estava deserta, ninguém cruzava e o cara não saía do lugar. Vi ele me olhando pelo retrovisor e parei na primeira casa, tocando a campainha. Ninguém veio atender, mas eu fingi que estava conversando com alguém e o cara foi embora.
Algum tempo depois, não lembro quanto, estávamos no metrô eu e minha irmã. Um velho nojento se aproximou dela que estava sentada e começou a mexer no pinto por cima da calça, na direção do ombro dela. Eu, em pé, ao lado do cara, falei bem alto "cuidado aí". Ele saiu e se sentou num banco próximo. Quando minha irmã se levantou para descer ele foi atrás dela. Eu sentada, porque só desceria na próxima estação, falei alto novamente "Está atrás de você". O cara voltou, sentou e ficou me encarando. Lógico que eu pensei "me ferrei, agora ele vem atrás de mim". Não deu outra, mas eu já saí correndo atropelando todo mundo e só parei quando já estava no outro trem. Ele ficou pra fora. 
Aos 17 eu estava saindo do Metrô Santana, subindo uma escadaria que dá pra Av. Cruzeiro do Sul, num domingo de manhã e senti uma mão no meio das minhas pernas. Eu quase caí da escada, minha irmã me segurou, o cara virou as costas e saiu andando. Só deu tempo de eu jogar a bolsa nas costas dele e gritar "filho-da-puta". Mas o pior foi ver um casal que estava na parte de baixo rir da situação e ver a expressão do cara de quem gostou do que viu. Isso dói até hoje. Eu não queria, eu não permiti, mas dois homens que nunca vi na vida sentiram prazer as minhas custas.
Um ano depois eu estava voltando para um instituto que frequentava com a minha família no Tatuapé, quando do nada um cara me tacou na parede e meteu a mão em mim. Depois de tantas eu já estava mais esperta e com tanta raiva acumulada que dei um soco no peito dele, jogando-o pra trás. Ele então ergueu a blusa e eu vi a arma: "Não grita não que eu estou armado". Corri. Ele não atirou nem veio atrás. Talvez porque um senhor viu e parou pra ficar olhando. O fato é que mais uma vez escapei de algo pior. 
Na faculdade, um cara me seguiu de carro quando voltava, ao meio dia. Ele ia costurando a rua que eu estava subindo de forma a tentar chegar na esquina no momento em que eu fosse atravessar. Conseguiu na terceira tentativa e parou de um jeito que eu teria que passar ou pela frente ou pelas costas do veículo, além de muito próxima a porta de passageiro. Fui calmamente como quem não percebeu e quando eu cheguei na porta do carro virei pra ele, joguei o material no chão,  bati o pé como quem intima pra briga e gritei "que que é? porra!" Acelerou e fugiu. 
Há alguns anos atrás, já no vilarejo, estava voltando pra casa e um cara mexeu com uma garota do outro lado da rua. Ela estava com uma cara apavorada. Eu atravessei e perguntei "algum problema?" E ela disfarçou "então, tá estranho". Ela estava indo numa direção oposta a minha, mas a acompanhei. Ela contou que o cara a estava seguindo desde a avenida e falando coisas horríveis. Fui até a esquina da sua casa, o cara sumiu.
Essas são as histórias mais marcantes. Sem contar as passadas de mão na bunda em balada e no ônibus, os inúmeros caras que levaram uma pastada no pinto por tentar encoxar no ônibus e no metrô...
Reparem que dificilmente vocês encontrarão semelhanças de fatores comumente atribuídos como motivo: diferentes idades, diferentes bairros, cidades e lugares, diferentes roupas e muitas vezes de calça jeans e camiseta, lugares movimentados, sozinha ou em grupo, na fase magra e na gorda e até com outras mulheres envolvidas. 
Tem algo de errado comigo? Não. Todas nós passamos por situações assim. Se ainda acham que é exagero, perguntem para suas mães, irmãs, namoradas, esposas, filhas, amantes, amigas, colegas de trabalho. Eu duvido que elas não tenham ao menos uma história pra contar. Mas não duvido que elas escondam, porque é horrível passar por isso, quanto mais deixar que outros homens saibam. Nunca se sabe o que o cara vai pensar e dizer. A agressão pode só aumentar. No entanto, todas as mulheres que conheço têm alguma história assim pra contar.
Um dia, um ex me disse que eu era encanada demais com isso, que sempre achava que iam me fazer mal. Estávamos na casa dele e eu respondi "ah é, então pergunta pra sua mãe e pra sua irmã se elas já passaram por isso". Ele respondeu "lógico que não, se não eu matava o cara, elas nunca me contaram nada". Eu olhei pra elas e elas só riram. Ele ficou desesperado querendo saber quando, como, o que foi. E elas só disseram que direto acontece e só ele que não sabe. 
Portanto, queridos, saibam. Acontece. Com todas nós, todos os dias, em qualquer lugar, em qualquer situação. Por isso, não nos acusem e não nos agridam mais. Vocês precisam entender que já é hora de vocês mudarem isso entre vocês. Vocês precisam entender que nós somos as vítimas. Vocês precisam se posicionar e largar a comodidade do "perto de mim não acontece". Vocês precisam ficar do nosso lado. 

17.3.13

Mais livros, por favor


Sou apaixonada por livros. Não é só que gosto de ler, é também um fetiche, talvez um vício. Acho livro uma coisa linda, sedutora. Não importa muito o estilo, a história, o autor, o livro é como um objeto imantado que me atrai. Não consigo ver um e não passar a mão na capa. Em consequência, tenho muitos livros em casa. Eu acho que são pouquíssimos, minha mãe tem o dobro na estante do seu quarto. Mas o povo que vem aqui em casa diz que é muito. 
Lembro do primeiro livro que ganhei na vida. Foram dois de uma vez na verdade. Foi na segunda série, na comemoração que escola fazia para o dia do livro (ou era da leitura...) e premiava um aluno de cada série como o "leitor do ano". Ganhei sem nem entender porque (os professores que escolhiam), só sei que amei ganhar e segurar na mão os dois livros. Um era "Memórias de Emília" do Monteiro Lobato que ficou ofuscado pelo segundo, "As sete cidades do arco-íris" de Teresa Noronha. Eu fiquei curiosa pela capa do livro e não desgrudei dele até terminar. Depois que terminei também não desgrudei e só fui ler o outro livro anos depois. Engraçado que tenho o Memórias até hoje, mas não faço a menor ideia de onde foi parar meu exemplar das Sete Cidades. Como eu queria tê-lo na minha estante!
O próximo livro que marcou o crescimento desta paixão foi um clássico que tinha a palavra "crime" no título e não, não é "Crime e Castigo" e nem "O Crime do Padre Amaro". É uma história estranha. A professora de português nos levou para uma aula na sala de leitura e disse "podem escolher o livro que quiserem". Eu fui atraída por uma prateleira com uma coleção em capa dura, azul, escritos em prata. Tinha ali todos os clássicos da literatura mundial que você pode imaginar. Peguei este que era "crime alguma coisa" e sentei num cantinho pra ler. Lembro da professora chegar e me perguntar "Vai ler este mesmo?" e eu, que já estava lendo e super empolgada com a história logo na primeira página respondi "sim, é legal!". Nunca mais voltamos à sala de leitura e eu não consegui terminar o livro, nem me lembrar o nome ou o autor. Depois de muito procurar cheguei a conclusão que era "Crime e Castigo" e minha memória estava me pregando uma peça, então fui lê-lo e no segundo parágrafo tive certeza: não era. Ainda procuro este livro como louca, parece que foi um sonho e ele nunca existiu. Em todo caso, vai que vocês conheçam e me ajudem: o livro começa descrevendo a cena de um crime, a imagem que guardo é uma estrada de terra e a faca ensanguentada na mão do cara. A linguagem é bem rebuscada, culta. E é só isso que eu lembro. 
Então, já no magistério, me deparei com "A Dama das Camélias" (Alexandre Dumas Filho) e descobri que amava literatura. Ninguém que eu conhecia, da minha idade, gostava de literatura. Era preciso falar disso baixinho e reclamar dos livros obrigatórios de vestibular para não ser execrada, mas eu amava literatura e minha única reclamação é que queria ler vários sem ter que me preocupar com o vestibular. 
Graças a esta paixão, me tornei uma leitora compulsiva. Antes eu lia um livro por vez e tentava acelerar cada vez mais o ritmo para ler mais e mais livros. Existem muitos livros no mundo e, no fundo, eu queria era conseguir ler todos antes de morrer. Como o tempo é curto, me inspirei em Picasso que tinha uma tela em cada cômodo da casa e ia pintando todas ao mesmo tempo conforme passava por elas, e espalhei livros pela casa. Nesta fase estou lendo quatro livros: "O Cemitério de Praga" (Umberto Eco) no quarto, "As Aventuras do Sr. Pickwick" (Charles Dickens) no banheiro, "Mentes Perigosas: o psicopata mora ao lado" (Ana Beatriz Barbosa Silva) na sala e "Contos Completos" (Virgínia Wolf) no escritório. 
Com este último, aliás, desenvolvi uma relação de amor e ódio. Virgínia é extremamente densa e reflexiva, seus contos nunca passam em branco, sem te forçar a pensar em algo sobre a vida, a morte, a felicidade, o sentido das coisas. Então eu passo fases grudada neste livro, devorando-o, e outras em que não consigo nem olhar pra ele, cansada de pensar.
Sou uma amante a moda antiga e não substituirei os livros por e-books e similares. Gosto de sentir a textura da capa, o cheiro do papel, de ouvir o barulho da folha virando. Gosto de grifar as partes que me chamam atenção, de anotar o significado de palavras novas ao lado, de voltar em outros momentos para ler o que grifei e lembrar de mim naquele momento. 
Por tudo isso, não consigo entender alguém que diz "não gosto de ler". Eu entendo não gostar de filmes, de TV, de internet, de novela, de revistas, de jornal, de arte, de estudar. Mas não entendo alguém não gostar de ler. É decepcionante. Não gostar de ler é não gostar de imaginar, de pensar, de refletir, de sonhar. E eu não entendo como alguém pode não gostar destas coisas que nos fazem humanos.