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26.5.14

Um Caso Tenebroso - Balzac



"Em todos os processos criminais existia um juiz no criminoso e um criminoso no juiz, partes obscuras; a consciência tinha abismos onde a luz humana só podia penetrar pela confissão dos culpados". (p. 217)

"A presença do público foi o que sempre tem sido, o que sempre será em todas as ocasiões deste gênero, enquanto os costumes não forem reformados, enquanto a França não reconhecer que a admissão do público na audiência só traz publicidade, que a publicidade dada aos debates constitui uma pena de tal modo exorbitante que se o legislador pudesse adivinhá-la não seria capaz de a infligir. Os costumes são frequentemente mais cruéis que as leis". (p. 245)

19.4.14

Vozes


Ouvia vozes. Acontecia desde criança, mas nessa época ainda não sabia que isso era anormal. As vozes faziam parte de suas brincadeiras, eram amigos, personagens, não as estranhava. Achava mesmo que não tinham vontade própria, que ela determinava o que diriam. 
Na adolescência começou a perceber que aquilo não era algo que se passava na cabeça de todas as pessoas. As vozes eram seu porto seguro. Com elas discutia sua vida, as dúvidas, as incertezas, as paixões e as decepções de adolescente. Mas percebeu que as outras garotas do colégio pareciam não ter tantos conselhos internos assim. Então, decidiu que nunca contaria pra ninguém sobre todas aquelas vozes que conversavam com ela diariamente, o tempo todo. 
Foi um acontecimento específico e simples que a fez ter certeza que aquilo era loucura, que tinha algo errado com ela. Estava no trabalho. Era recepcionista de um hotel executivo. Passava todas as manhãs recebendo e atendendo os clientes. Entre uma fala e outra, ouvia ainda os amigos internos fazerem comentários sobre os clientes, reflexões sobre a vida, observações sobre o hotel. Então um cliente lhe pergunta "o que?" e ela se assusta. Não disse nada. Disse, só não entendi, falou baixinho. Não disse, foi impressão, seu cartão. 
Aquilo a incomodou. Realmente ela tinha dito algo, respondeu uma das vozes, mas tinha certeza que fora em pensamento. Agora já não tinha mais certeza se fora só em pensamento. Percebeu que se sempre respondia as vozes em voz alta, isto era realmente loucura. Nunca vira ninguém falando sozinho pela rua, só os bêbados e os loucos. Então, era louca. Ouvir vozes não era normal, muito menos respondê-las. 
Passou por um tempo em que se empenhou em ignorar as vozes, como se isso pudesse calá-las. Foi a pior fase de sua vida. Era um tormento constante. Elas não paravam, cobravam respostas, pediam atenção, se diziam tristes e abandonadas. Sentia-se desesperada e, mais ainda, sentia saudades. Era como se tivesse mudado pra longe de todos os seus amigos. Quando essa saudade machucou mais do que ela podia aguentar, voltou a falar com suas amigas. Foi recebida com festa e, para que ninguém mais soubesse de sua loucura, combinaram só conversar quando não houvesse ninguém por perto. 
O combinado funcionou. Sentia-se segura novamente. Sabia que era louca, que possuía um exército de vozes dentro dela. Vozes com timbre e personalidades diversas. Mas ela tinha uma vida normal e essa galera interna não a atrapalhava em nada. Aliás, só ajudavam. 
Conheceu Fernando. Casaram-se. Nasceu Lucas. Tudo isso com as vozes participando. Choraram em seu casamento. Ajudaram no parto. Ela nunca se incomodou. Sentia-se completa. 
Quando Lucas começou a falar, teve medo que ele fosse como ela. Investigou ao máximo os amigos imaginários do filho para garantir que não o seguiriam para o resto da vida. Suas vozes se magoaram com isso. Você preferia que a gente não existisse, queria ser normal. Então será. Foram embora. 
Passaram-se meses, anos. Nunca voltaram. Ela perdeu o chão, o rumo. Entrou em depressão. Toma remédios até hoje. 

28.2.14

O Cemitério de Praga - Umberto Eco


"Isso já me sugeria que, se fosse vender de algum modo a revelação de um complô, eu não devia fornecer ao comprador nada de original, mas só e especialmente aquilo que ele já compreendia ou poderia vir a compreender mais facilmente por outras vias. As pessoas só crêem naquilo que sabem, e essa era a beleza da Forma Universal do Complô" (p. 90)

"Veja bem, prezado advogado - disse o tabelião - talvez seja pelas tendências dos novos tempos, que não são como antes, mas até os filhos de boas famílias devem, às vezes, sujeitar-se a trabalhar. Se Vossa Senhoria se inclinar a essa escolha, na verdade humilhante, eu poderia lhe oferecer um emprego no cartório..." (p. 97)

"Em síntese, Simonini percebia que, para qualificar-se aos olhos dos serviços imperiais, devia dar a Lagrange algo mais. O que torna verdadeiramente fidedigno um informante da polícia? A descoberta de um complô. Portanto, ele deveria organizar um complô para poder denunciá-lo". (p. 198)

"Estamos gastando um bom dinheiro para organizar tumultos nos boulevards. Não é necessário muito, apenas poucas dúzias de ex-presidiários com alguns policiais à paisana; saqueiam-se três restaurantes e dois bordéis cantando a Marselhesa, incendeiam-se duas bancas de jornais e, então, chegam os nossos, uniformizados, e prendem todos, após um simulacro de luta. 
- E para que serve?
- Serve para manter os bons burgueses no auge da preocupação e para convencer a população de que são necessárias atitudes fortes. Se tivéssemos que reprimir tumultos reais, organizados não se sabe por quem, não nos safaríamos tão facilmente" (p. 236)

3.2.14

super_rock 18: Cancún, México

Eis que quando menos eu esperava, sem nenhum planejamento, vou parar no México. Sempre achei que começaria a cruzar as fronteiras pela América Latina. Jurava que seria para o Uruguai, país que venho namorando há mais de um ano. Então minha família decide ir pra Cancún e eu ganho a viagem. Dá pra dizer não?

Cancún é uma tripa de terra se estendo entre o mar do Caribe e a lagoa Nichupté. O sol surge de trás do mar e se põe atrás da lagoa. Dois espetáculos garantidos diariamente. É bem verdade que eu perdi este espetáculo por uns 3 dias premiados com muita chuva e frio, consequência da frente que caiu sobre o Canadá e os EUA. Os locais comentavam que nunca faz frio daquele jeito lá, que nem tinham roupa pra isso. Não só eles né? Turistada toda enrolada nas toalhas do hotel, tremendo de shorts e camiseta. 
Mas lógico que isso não me impediu de curtir e fui pra Tulum, cidade Maia há duas horas de Cancún. Debaixo de muita chuva, corremos o parque todo. É impressionante, está tudo muito preservado. Nessa cidade, que funcionava como um porto para o comércio com El Salvador, não havia pirâmides. Dentro da muralha que cercava as construções moravam o rei e a rainha em casas separadas, os intelectuais e a "nobreza" que não tinha este nome pra eles. Ao redor, fora da muralha, ficavam os camponeses e trabalhadores. O guia, descendente maia, deu milhares de explicações interessantes, mas a chuva castigava tanto que a memória só guardou o básico.

Depois de Tulum o sol apareceu e seguiram-se mais sete dias tropicais como esperávamos. Piscina, praia e muitos drinks. Delícia. A zona hoteleira de Cancún dominou a praia. Até hoje só existe uma família maia que não vendeu sua casa para os hotéis e está lá, no meio de dois hotéis enormes, vivendo como sempre viveu nos seus 300m2 de paraíso. 

Talvez por isso, a praia seja vazia. Apesar de ser alta temporada, de todos os hotéis lotados, a praia fica super tranquila. Principalmente o mar que quase ninguém entra. O que eu agradeço porque amo o mar e detesto ter que achar um pedacinho que dê pra curtir no meio da multidão. Águas turquesa que parecem um gel quando se olha da areia e ficam totalmente transparentes quando se entra, temperatura excelente sem choque térmico. Areia fina no começo, ao andar pro mar passa por uma parte de conchas quebradas que dói horrores o pé e na beira fica grossa. Nada de mar piscina, tem ondas e correntezas fortes, tem que saber lidar. 

O Gran Park Royal Caribe, onde nos hospedamos, é maravilhoso. Piscinas e bares muito bons. Tem 4 restaurantes e todos valem a pena. O Cocay é o restaurante principal que serve o super café da manhã, almoço e jantar que variam o cardápio. Para comer comida mexicana, tex mex e caribenha é o ideal. O La Concha serve frutos do mar, muito muito bom. O El Mirador é um restaurante italiano feito para descansar de frutos do mar e comida mexicana. E o melhor de todos para mim, o El Oriental, que serve pratos japoneses, chineses, indianos e tailandeses, além de ser lindo. Olhando de fora parece uma estufa. Internamente é que se vê que as enormes paredes de vidro dos 3 andares são cobertas por trepadeiras, deixando o local escuro e criando o clima exótico. 

Visitei também a famosa cidade de Chichen Itza (em maia lê-se chichen its rá). Ficar embaixo da pirâmide que "virou" maravilha do mundo foi meu momento mais especial na viagem. Foi a hora que eu pensei "nossa, olha onde eu estou". É linda, é impressionante, é fascinante. Dá vontade de subir, entrar, explorar tudo, mas todos os monumentos estão fechados para visitação. Uma história de depredações, pichações e acidentes levou a isso. Fiquei muito impressionada com o templo das mil colunas. No santuário deste templo, entre as colunas quadradas, eram feitos os sacrifícios. Já na enorme área de colunas redondas e perfeitamente alinhadas ficava o depósito de armas. É uma parte mais silenciosa do parque, as árvores fechadas, a posição do templo e das colunas dão uma cor mais acinzentada para o local. A sensação é de estar numa floresta de colunas. Uma dica valiosa para conhecer este lugar é tentar se livrar das agências, pagar um transporte direto e ficar no parque o dia todo. Isso porque as agências fazem passeios de 2h e o guia fala o tempo todo, se você não fugir do guia não vê o parque inteiro. Eu fugi, claro. Ah também é o melhor lugar para comprar artesanato maia. Além de ser realmente feitos por maias, o preço é muito menor. Nunca pague o primeiro preço, o normal para eles é negociar. Foi o lugar onde vi as mantas e as peças mais bonitas. Só que se você vai com agência e fica só duas horinhas, nem dá tempo.

No caminho para Chichen paramos em um cenote. Os cenotes são lagos que se formaram dentro das cavernas, uma característica da região da península de Yukatan que tem cerca de 250 mil cenotes. Os maias usavam esta água para beber. Por ser rica em cálcio, os deixou com a estatura baixa. Entrar dentro da caverna já é mágico, com um lago destes fica divino. 

O último passeio que fizemos foi para o Xcaret. Um parque natural que mistura tudo: zona arqueológica, atividades aquáticas, shows de danças típicas, encenações maias e mexicas, um teatro maravilhoso, animais como em um zoológico, trilhas por cavernas, passeio de barco, praia, degustação de vinhos... 

É enorme, caro, não dá pra ver tudo em um dia e vale a pena. Nadei num rio subterrâneo por 40 minutos, morrendo de medo das cavernas que tinham morcegos. Vi flamingos, muitos flamingos. Eles são lindos e engraçados, as penas são de um salmão muito vivo, brilhante. Vi também os gatinhos: pantera, onça e puma. Golfinhos, tubarões, tartarugas marinhas, peixinhos e bichinhos do mar. Visitei mais ruínas e uma representação do cemitério caracol maia. Terminamos o dia com um show muito bom contando a história da colonização mexicana. 

Ainda teve dia de compras e aproveitei pra sair experimentando tequilas. Gostei muito da Mañana. As tequilas são caras, mais barato que no Brasil sim, mas tudo fica muito caro pra gente lá. Eles tiram muito sarro da José Cuervo que para eles é boa só para combustível de carro. Ensinaram que a tequila tem que ser 100% agave, a Cuervo nem indica a porcentagem.
Em Cancún não é um bom lugar para ver a arquitetura típica mexicana. No caminho para Chichen passa-se por uma cidadezinha antiga, da época da colonização, onde se vê mais a arquitetura deste período. Curioso que se vê a praça cheia de pessoas com celular, tablet e notebook, porque a prefeitura disponibilizou o wi-fi ali.  Já Cancún é uma cidade nova construída para o turismo. Era um paraíso esquecido até que os hotéis chegaram e hoje é só isso que vemos na tripinha que corre para o mar: grandes hotéis, shoppings, restaurantes e o centro da cidade. 
Ah! E os mexicanos são muito simpáticos e comunicativos.

5.1.14

Mais livros - Usados e Achados


No fim de 2013 fiz algo que me parece tão grande quanto foi súbita a ideia: virei livreira virtual. Assim, como se vira mulher-maravilha.
Tenho um primo (que aliás admiro pra caramba) que trabalho com sebo há anos. Já teve sua estante lá na passagem da Consolação e dali nunca mais parou de trabalhar com livros usados. Desde que ele começou eu me interessei. Acho livro um negócio fascinante. Ficar rodeada de livros sem saber por qual começar me parece uma das definições de paraíso. Aí junto um lado meio estranho que é de gostar de descobrir a história daquilo que não tem mais valor para uma outra pessoa. Como meu fascínio por lugares abandonados. Tudo isso junto me fazia pensar "nossa que ideia legal ele teve" e por isso mesmo me sentia uma ladra aproveitadora em querer fazer o mesmo. O desejo ficou ali, esquecido por algum preceito ridículo que herdei dessa nossa cultura estranha. 
Mas no fim de 2013 fui ao Rio fazer um concurso e vi minha tia trampando como livreira também. Sem estante, banca ou loja física, ela iniciou a atividade apenas virtualmente e está tirando um troco. Entre conversas sobre minha situação financeira terrível, meu desejo de mudar de emprego e o que fazer enquanto não consigo outro, ela se empolgou em me mostrar como funcionava a sua estante e em me estimular a fazer também. Voltei do Rio decidida. 
Depois de correr atrás de livros e material, de aprender o básico pra começar e de conseguir ser aprovada como livreira no site que agrega livreiros, bancas e sebos do país todo, inaugurei minha estante no dia 18 de dezembro. Feliz é pouco. A visão completa do meu estado é me ver rindo alto cada vez que entro e vejo um pedido feito. Ou me ver preparando as encomendas e sorrindo ao empacotar os livros. Ou me ver separando, classificando, limpando, restaurando e sorrindo. Um amigo comentou "nossa você tem que cadastrar tudo, boa sorte com a digitação" e eu respondi, nada adoro ficar cadastrando porque aí eu conheço cada livro.
Por isso é possível que muito mais de livros apareça por aqui. Mas se não aparecer, é irem à fanpage ou ao site e aproveitarem! 

1.1.14

Tudo vai ser diferente?


Fui dormir ontem pensando na quantidade de mensagens que li sobre "isso é tudo besteira, nada vai mudar, é só mais um ano, mais um dia, não há mágica". E sorridentemente discordei delas. 
É lógico que não há mágica, é lógico que é só mais um ano e mais um dia. Mas não é lógico que nada vai mudar. Seja para o bom ou para o ruim a vida, o mundo, nós, estamos sempre mudando. Lentamente em alguns sentidos, mais rápidos em outros, avançando ou retrocedendo, estamos sempre mudando. De forma que o lógico é "as coisas vão mudar", só não sabemos o que, quando ou como. 
Se a mudança é certa, é também natural o desejo de que seja no sentido que nos faria mais felizes e satisfeitos com a vida. E não há nada de mau nisso. Como não há em atribuí-lo à uma data, a um ritual, à uma tradição. 
É uma questão de escolha. Podemos escolher não nos importarmos com isso ou podemos atribuir o significado que desejarmos. Escolhas são feitas com base nas necessidades. Há quem necessite não se sentir institucionalizado pela tradição, quem necessite da crença, quem necessite desprezar os desejos para não sofrer com as decepções, quem necessite apenas de um bom motivo para mais uma festa. 
Eu, consciente de tudo isso, escolho significar a data. Adoro dar significados as coisas, acho prazeroso. Tudo para mim precisa de um algo a mais - uma razão, um motivo, um desejo e uma beleza. Acho que é a vida é curta demais para ver a mudança no calendário ser só mais um dia. Se você colocar na minha frente um prato de arroz e feijão com bife e salada numa mesa e do lado colocar o mesmo prato numa mesa com um vaso de flor, eu escolho o segundo. Escolho pelo simples motivo de que há algo mais a ser desfrutado ali, a beleza da flor. Pode até ser que eu ache o vaso  super brega, então escolho para poder criticar o mau gosto do vaso. Mas sempre escolho o que me oferece mais. E um dia com festa e significado, me oferece muito mais que só mais um dia no calendário.
Não é uma escolha meramente romântica, o que, aliás, considero uma força. Mas é uma escolha dentre todas as possibilidades que poderiam definir a "Micaela". Não me importam os julgamentos, me importa a satisfação. Não me importam as convenções, me importam as escolhas. 
Entretanto, por ser crítica e escolher me manter assim, considero muito mau humorada a necessidade (ou a escolha) de desprezar aquele que significa o ano novo. Não signifique e não se importa com quem significa, isso não tem nada a ver com você. Talvez isso te decepcione, mas é verdade, não tem nada a ver com você.